Matheus Piovesan, especial para o Sul21
Principal motivo, embora nem sempre explícito, para a origem da maior parte dos conflitos entre países atualmente, o petróleo promete ser substituído pela água como objeto de disputa internacional nas próximas décadas. A previsão de muitos especialistas é concomitante ao cenário que a Organização das Nações Unidas (ONU) desenhou: até 2030, quase metade da população mundial viverá em áreas com grande escassez de água.
Apesar do iminente panorama catastrófico, os governos e a sociedade têm ignorado a importância do tema e têm reproduzido o hábito de desperdiçar este recurso natural, que é finito. Algumas tecnologias existentes no mercado, no entanto, apresentam alternativas para reutilização e uso mais consciente da água.
Confira abaixo três soluções inovadoras para o tratamento de água e efluentes (os resíduos líquidos resultante de processos industriais), que foram apresentadas na Feira Internacional de Tecnologias para o Meio Ambiente (Fiema Brasil), que ocorreu nesta semana em Bento Gonçalves, na serra gaúcha.
Uma opção interessante para quem está projetando uma casa ou um edifício novo é a construção de telhados verdes ou de jardins verticais. Estas coberturas vivas, formadas por grama e vegetais, funcionam como isolantes térmicos, pois retardam o aquecimento dos ambientes durante o dia e conservam a temperatura durante a noite. Dessa forma, as temperaturas são mais amenas no verão e no inverno.
Além de isolar o calor, a estrutura ecológica absorve grande parte da água da chuva, o que diminui, inclusive, a possibilidade de enchentes nos municípios. Entre os outros benefícios ao meio ambiente e ao morador, estão o auxílio na purificação do ar urbano, a economia de energia e o isolamento acústico.
Uma das empresas especializadas em infraestrutura verde, Ecotelhado possui dois sistemas de telhado vivo. O primeiro, de instalação simples e rápida, faz o reaproveitamento de água para irrigação do próprio gramado e pode ser instalado em qualquer cobertura. O outro, que precisa ser feito sobre uma laje sem inclinação, tem uma cisterna para captação de água, que pode ser reutilizada internamento no local para fins não potáveis, como em vasos sanitários.
Engenheiro agrônomo e diretor da empresa, João Manuel Feijó assegura que um fator fundamental para a escolha deste tipo de revestimento é a diminuição da dependência do sistema estadual de fornecimento e tratamento de água. Ele defende que as pessoas tratem a água em suas casas ou em pequenas comunidades, reutilizando-a ali, sem grandes deslocamentos. Dessa forma, o desperdício é evitado, já que cerca de 40% da água potável se perde no trajeto entre as estações de tratamento e as casas.
“O sistema atual é voltado para uma estação de tratamento que fica localizada longe do local de consumo e isso é uma incoerência do ponto de vista racional. É preciso estimular a descentralização para que seja aumentada a capacidade de sobrevivência em situações de crise ou estresse, como guerras ou catástrofes, onde todas as pessoas estão aglomeradas e dependem de apenas uma fonte de água”, explica o engenheiro agrônomo.
Tratamento avançado de efluentes por meio de membranas
Outra tecnologia em destaque é um sistema de filtro e purificação de fluídos por meio de membranas. São materiais sintéticos desenvolvidos para retirar, dos efluentes, desde sólidos até moléculas invisíveis a olho nu. A eficiência do sistema faz com que a água se torne novamente potável ao final do processo. O nível de purificação, portanto, depende da escolha da membrana, que deve ser selecionada de acordo com a quantidade de toxinas que pretendem ser eliminadas.
A inovação, apresentada na Fiema pela empresa Pentair, é tão versátil que pode ser utilizada tanto em indústrias, onde os efluentes costumam ser mais tóxicos, quanto em residências, comunidades ou sistemas de tratamento de água. Na região Sudeste do país, este modelo de purificação por membranas é amplamente utilizado, mas, no Rio Grande do Sul, ainda não se popularizou.
Filtragem por meio de evaporação
Também apresentada na Fiema, está uma tecnologia de filtragem de efluentes industriais por meio de evaporação. Em atividade há seis meses, uma estação de tratamento no interior de Minas Gerais foi desenvolvida para filtrar os efluentes de uma indústria de agrotóxicos. Antes deste projeto, o dejeto nocivo necessitava ser queimado devido à alta toxicidade. Agora, o efluente é purificado e usado novamente na indústria, não sendo descartado na natureza, o que elimina a possibilidade de contaminação.
A filtragem ocorre em um ambiente fechado a vácuo. Durante o processo de evaporação, os dejetos contaminantes ficam no fundo do equipamento e a água vai para a parte superior da máquina. Com fabricação no Brasil pela Monofrio, estas máquinas tem um retorno de investimento de seis meses a quatro anos.
“Antes, os efluentes precisavam ser incinerados, mas agora é possível recuperar 97% da água. Este modelo pode ser replicado a outras empresas e segmentos, como químicas, petroquímicas, galvânicas e farmacêuticas, por exemplo. Trata-se de um projeto inédito na América Latina”, afirmou o engenheiro mecânico, gerente de vendas da empresa e professor da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Luciano Massoco.
Falta de incentivo e conscientização
Apesar de estas soluções inovadoras para o tratamento de água e efluentes estarem disponíveis no mercado, ainda não houve uma disseminação da sua importância entre o setor industrial. Na visão da engenheira química, especialista em tratamento de efluentes e coordenadora de inovação da Fundação Proamb, Andressa Brandalise, deveria ser nesta lacuna que o poder público poderia intervir, por meio de legislações mais rigorosas e incentivos fiscais que estimulassem a adoção de práticas mais sustentáveis.
“Aqui no Brasil, se tu tens uma indústria e precisa usar água, tu pagas para a concessionária o recurso utilizado. Mas não se paga para lançar a água novamente no rio, após ser “sujada” pela empresa. A água vai para uma estação de tratamento e é da concessionária a obrigação de purificá-la. Deveria funcionar como na Europa, baseado no princípio do poluidor pagador, no qual, conforme a quantidade de efluentes. Ou seja, quanto mais limpa conseguires devolver a água, melhor, porque irás pagar menos por ela”, conclui a engenheira química.
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